Desaprender, só pra começar...



Durante uma época de minha vida também fui professora. E, além de trabalhar com crianças na Catequese, trabalhei com instrutoria de jovens aprendizes no Senac. Esses jovens participam de um projeto do governo que incentiva parceria entre as empresas e o sistema “S”, formado por Sesc, Senac, Senai e Sesi, além de outros serviços de educação para o trabalhador.

Na verdade, eu não deveria dizer “trabalho” com relação à Catequese, fica um tanto formal e esquisito. Catequese para mim não é trabalho, é missão. Assim como também não deveria dizer trabalho com relação ao projeto Aprendiz. O aprendiz para mim é um desafio. Lá se ajuda a construir competências.

Competências que devem levar o jovem ao mundo do trabalho e fazer com que ele permaneça lá. Seja feliz, se realize e consequentemente, faça seus parceiros, empregadores, equipe de trabalho, enfim; também felizes. 

Minha missão na catequese é educar para a Fé com as doutrinas da Igreja Católica. Minha missão com os jovens aprendizes é ajudar a construir cidadãos, sem vinculá-los a qualquer doutrina religiosa.  

A catequese não é escola. Logo, não posso compará-la a minha missão de instrutora no projeto aprendiz. Lá é uma escola, no verdadeiro sentido da palavra. No entanto, em ambos os lugares a responsabilidade pela construção do saber é minha.

Na catequese tenho que construir em cada criança um cristão, alguém que, aceite as doutrinas católicas, viva em comunhão com os demais e leve consigo, pela vida afora, os ensinamentos de Jesus. Ou seja, uma pessoa de fé, que saiba viver em comunidade, com respeito, amor, caridade e solidariedade.

No projeto aprendiz constrói-se com os jovens, competências que os levem ao mercado de trabalho. Essas competências estão apoiadas em alguns pilares: conhecimento, habilidade técnica para fazer e, as atitudes ou comportamentos gente á situações vivenciadas. Os conhecimentos ou conteúdos estão sistematizados em manuais, apostilas, livros, Cds, etc.; a habilidade técnica se constrói com a prática, o fazer, o experimentar; já as atitudes e comportamentos, têm que ser bem mais trabalhados. O jovem ao chegar à escola já traz consigo uma bagagem, um aprendizado. Já construiu comportamentos frente ao que tem que enfrentar no dia-a-dia. À escola e ao instrutor, cabe fazer com que os ensinamentos ministrados interajam com os que ele já possui. Ele não aprenderá o que acreditar que não lhe serve, ou seja, seu comportamento já está moldado às situações que enfrenta e acredita que irá enfrentar.

Resumindo. Tive que DESAPRENDER tudo que sabia e REAPRENDER a educar. Meus conceitos estavam baseados na crença de que eu deveria “passar” conhecimento. Mas o conhecimento é MEU. É fruto dos meus estudos, das minhas habilidades e das vivências que determinam as minhas atitudes e o meu comportamento. Sou uma construção elaborada ao longo do tempo. E, estou, ou pelo menos deveria estar, em contínuo desenvolvimento. Assim, os aprendizes devem ser educados para construir-se e não, educados para serem uma cópia do mestre.

Da mesma forma na Catequese, muitos catequistas precisam reaprender a educar. Reorientar suas atitudes. Temos que DESAPRENDER aquilo que sabemos. Jogar tudo fora e aprender com a pedagogia de hoje que o ser humano não é moldado por uma pessoa só, por um ambiente só, por uma lei ou norma que se possa criar. Não podemos acreditar que o catequizando chega as nossas mãos como se fosse uma página em branco pronta para ser desenhada. Assim como ele já possui conhecimento, habilidades e atitudes; ele também já possui alguma crença, algumas atitudes e comportamentos determinados por aquilo que a família ou a comunidade ajudou a construir.

Não podemos querer que as crianças cheguem à catequese ávidas para adquirir a verdadeira fé (a “nossa” fé). Não estaremos trazendo nada novo para ela. De alguma forma, bem ou mal, a família já construiu com ela algum tipo de crença, algum tipo de vivência na fé. Algum valor ela já viu em sua curta experiência. O que queremos é que, quando falemos de Jesus e de seus ensinamentos, elas se maravilhem e de alguma forma se sintam solidárias a NOSSA fé. Queremos compartilhar com elas aquilo que acreditamos. Mas a nossa crença foi construída por nós. Somos a soma daquilo que nos ensinaram, daquilo que fizemos e dos nossos comportamentos frente às experiências que vivemos.

Sabemos que o aprendizado na primeira infância é baseado não só naquilo que a criança lê, é muito mais no que ela vê. Ela entende melhor através de imagens. A capacidade de percepção de uma criança é muito grande e ela aprende e faz aquilo que ela vê acontecer. Assim, ela só vai aprender aquilo que ela vê que de alguma forma serve para ela. Aí vem o verdadeiro sentido da fé: Ora, ela viu utilidade na fé? Ela sentiu que a oração é importante na vida dela? Ela tem na família e na catequese exemplos de fé? Os pais rezam, vão à missa, confessam, comungam? A catequista que o cobra tanto, vai à missa? A catequista é um exemplo de Jesus? Ela está ajudando a construir a sua fé? Ou está tentando convencê-lo de coisas que nem ela acredita?

Assim como insistimos na escola tradicional em “passar” conhecimento (como se isso fosse possível), o que estamos fazendo na Catequese é insistindo no conceito de que é preciso fazer a Primeira Eucaristia e o Crisma a qualquer preço. Insistindo em ensinar conteúdos epistemológicos, ensinado a fazer, quando deveríamos ajudar a criança a construir-se como pessoa de fé. Aceitar o que ela já tem e ajudá-la a transformar isso e não tentar fazer com que ela esqueça aquilo que aprendeu e de repente se transforme num modelo perfeito de pequeno cristão.

E voltamos a insistência de que a catequese não é escola. Concordo. No modelo tradicional não deveria ser. Mas nesse novo modelo, deveria se aliar a ciência e à evolução da pedagogia para entender realmente o ser humano. E ser uma escola de fé. Uma escola de mestres com competência para ensinar. Competências adquiridas pelo conhecimento dos documentos da Igreja e das Sagradas Escrituras, pela prática como cristão e católico e pelas suas atitudes e comportamentos junto à comunidade.

Jesus Cristo, ao evangelizar e levar multidões junto com ele usou dessa pedagogia que agora chamamos de “nova”. Ele aceitava cada pessoa como ela era. Ele Reorientou seus discípulos com seus exemplos, ajudou a construí-los como pessoas de fé e os deixou como missionários para propagar o reino do Pai. Jamais pediu atitudes que não tinha. Só pediu que lembrássemos dele repetindo seus gestos. Orientar, mediar. Esse é o nosso papel.

Ângela Rocha
angprr@uol.com.br  

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